Nós, os introspectivos


introspection-2-interlaced-wire-sculpture-aNós, os introspectivos, falamos pouco, falamos muito, mas independentemente da largura do fluxo das palavras, nunca dizemos senão a ponta do alfinete do universo infinito que secretamente cogitamos.

Nós, os instrospectivos, possuímos horizontes apenas nossos. Cidades metropolitanas, impérios coloniais, caminhos privativos, secretos, bordados em estrelas conquistadas à via láctea. Dispensamos tranquilamente o mundo.

Uns de nós têm amigos imaginários, outros de nós não chegam a recrutá-los, mas todos nós, os introspectivos, ligamos demasiado pouco aos outros, aos outros de carne e osso, porque a maioria deles são cegos, incapazes de intuir, e o nosso castelo é demasiado complexo para poder ser dito por inteiro.

Nós, os introspectivos, pasmamos. Pasmamos ao céu, pasmamos ao mar, pasmamos ao infinito, porque é daí que esperamos pacientes, a revelação do nosso enredo.

Nós, os introspectivos, amamos. Amamos tão poucos e de modo tão gigante, que apesar do isolamento emocional somos devorados, mastigados, triturados pela persistência avassaladora dos sentimentos.

E nós, os introspectivos, choramos. Choramos porque temos golfadas de sentimento tão mais altas que a altura dos nossos ombros; tão mais devastadoras que maremotos.

E acreditamos em dragões, faunos, fadas e minotauros já que para nós a verdade é espúria. É que nós, os introspectivos, sorvemos magia aos goles, devoramos sofregamente fantasia, embebedamos os olhos de ficção, o intelecto de imaginação, o coração de ilusão e o centro da alma de secreto capricho, porque a irrealidade nos pacifica, porque a impossibilidade nos aquieta, porque as pedras do encantado, ordenadas nas novas alas do forte, nos reconfortam ainda mais na nossa casa interior.

Sim, nós, os introspectivos, somos. Somos torturadamente, somos vertigionamente, somos ansiosamente, tendendo para a velocidade da luz. E não tememos o desastre, e não abrimos pára-quedas, e não nos refugiamos da chuva, e dispensamos com esgar de desprezo a oferta do agasalho. Rimos aliás desdenhosamente de nós próprios se equacionamos sequer por um segundo a possibilidade de abrandar a marcha.

Somos estranhos, somos loucos, somos tudo. Nós, os introspectivos. Não seríamos de outro modo.

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Professora Auxiliar no ISCSP-UL. Licenciada em Sociologia do Trabalho (especialização em Política de Recursos Humanos) pelo ISCSP-UL, licenciada em Biologia (especialização em Biologia Evolutiva e do Desenvolvimento com Minor em Geologia) pela FCUL, Mestre em Sociologia e Doutora em Sociologia pelo ISCSP-UL, pós-graduada em Medical Marketing Management e Product Management pelo ISCTE-IUL. A frequentar os Mestrados em Microbiologia Aplicada e Ciências do Mar na FCUL. Investigadora e autora.